Introdução

    Neste capítulo estudaremos 3 porinas. Porinas são proteínas de grande peso molecular encontradas tipicamente em membranas externas de bactérias. Estas membranas, compostas de lipídeos e peptideoglicanos, são bastante impermeáveis. Para permitir a entrada de nutrientes hidrofílicos, as membranas apresentam as porinas.

    A primeira destas proteínas que estudaremos é proveniente de uma bactéria chamada Rhodobacter capsulatus.

    Vamos iniciar o estudo vendo uma animação da função desta porina.


 ver animação


Estrutura da porina de Rhodobacter capsulatus
 

 visualizar modelo da porina de Rhodobacter capsulatus

    Os átomos do modelo da porina estão representados com base em seus raios de Van der Waals, correspondendo aproximadamente ao volume que ocupam. Gire a molécula a vontade e observe que a porina possui de fato poros, daí seu nome.

    Em realidade, o modelo representa a forma trimérica da porina, ou seja, a composição por 3 subunidades idênticas.
 

 destacar subunidades

    Lembre-se que a porina é uma proteína que se encontra inserida na membrana lipídica. Lembre-se que proteínas são formadas de aminoácidos polares e apolares. Veja abaixo a distribuição destes aminoácidos na porina em estudo.
 

 ver aminoácidos polares 

 

 ver aminoácidos apolares e hidrofóbicos

    Observe que há uma "faixa" apolar ao redor da proteína, próxima à região extracelular.

    Esta é a região da proteína que faz contato com os lipídios e por isso é apolar. Observe também que o interior do poro é constituído de vários aminoácidos hidrofílicos, coerente com o fato que este poro serve para o transporte de água e de íons solvatados.

    O que você imagina que acontece com a porina se for retirada deste ambiente apolar? A estrutura dela se manteria igual? E a função?

    Podemos ainda visualizar as moléculas de água que foram cristalizadas juntamente com a proteína.
 

 visualizar moléculas de água (em uma das subunidades apenas)

    Como o átomo de hidrogênio é pouco denso eletronicamente, sua "observação" experimental é difícil (neste caso através da difração de raios X) e portanto somente os átomos de oxigênio são mostrados.
    Você pode observar que há uma baixa densidade de moléculas de água na faixa hidrofóbica em relação ao interior do poro, coerente com a polaridade dos aminoácidos na região.

    Proteínas de membrana são bastante difíceis de cristalizar, uma vez que sua estrutura depende do meio em que se encontra (a membrana). Isto vale para todas as proteínas, a interação com o meio em que se encontra é fundamental para a manutenção de sua estrutura. Devido à dificuldade em manter a estrutura de proteínas de membrana intacta em meio aquoso, é comum adicionar moléculas com caráter apolar para extrair tais proteínas e assim obter um cristal.
    Na proteína deste estudo, podemos observar moléculas de N-octiltetraoxietileno.
 

 visualizar moléculas de N-octiltetraoxietileno

    Perceba que as moléculas de detergente estão ligadas justamente na face hidrofóbica da proteína.



Estruturas secundárias
 

    Vamos agora examinar a estrutura secundária da porina.
 

 visualizar esqueleto peptídico

    Você poderia dizer que estrutura secundária é predominante?
 

 visualizar representação do esqueleto peptídico em cartoons (folhas beta, hélices alfa e estrutura aleatória)

    Que tipo de folha-beta pregueada é observada?
    A direção das setas (do N para o C-terminal) indica que trata-se de folhas-beta pregueadas anti-paralelas. Tal estrutura é comumente observada em proteínas de membrana. Na realidade, é possível agrupar proteínas com base nas formas de organização da estrutura secundária (folds ou dobramentos). A conservação de um fold durante a evolução é uma indicação que tal forma de estruturação é bastante importante, biologicamente.
    Este fold provê a estruturação necessária à formação de um poro central. Também, como já estudado na seção Estrutura secundária: folhas beta, a forma mais estável para uma organização deste tipo de estrutura secundária é a formação de uma "bola", possibilitando que a proteína se organize de forma a penetrar a membrana.

    Assim, a função da porina é intimamente associada à sua estrutura: tanto pela i-formação do poro pelo fold de folhas-beta anti-paralelas como ii-pela disposição dos aminoácidos hidrofóbicos/hidrofílicos, que possibilita a inserção desta na membrana.



Outros tipos de porinas

    Diferentes espécies de bactérias possuem diferentes porinas. Embora a função seja a mesma, as porinas podem diferir consideravelmente umas das outras. Um outro exemplo de porina, é a proteína MspA de Mycobateria smegmatis. Esta porina é encontrada na membrana externa dessas bactérias e sua função é o transporte de nutrientes hidrofílicos diversos, sendo a única passagem pela membrana, que forma uma capa impermeável.

    Clique o botão abaixo para inciar o estudo da porina de M. smegmatis.
 

 visualizar modelo atômico da porina de M. smegmatis (vista da face extracelular)

    Esta porina também é multimérica (um octâmero formado por monômeros idênticos). Note a perfeita simetria da estrutura.
 

 visualizar monômeros que formam esta porina

    A estrutura desta porina é bastante diferente daquela de R. capsulata. Embora também seja homomultimérica, os monômeros formam juntos um só canal.
    A proteína formada é ligeiramente torcida, devido ao entrelaçamento dos monômeros.

    Embora tão diferente da porina de R. capsulata, esta também é composta basicamente por folhas-beta.
 

 visualizar estruturas secundárias (alfa-hélices e folhas-beta)

    O canal formado não é um cilindro perfeito, sofre uma constrição ao longo de seu comprimento. Neste caso, a constrição se dá bem próxima à face citoplasmática.

    Similarmente à porina de R. capsulata,  a aquaporina é notavelmente hidrofóbica, possibilitando sua inserção na membrana lipídica.
 

 selecionar aminoácidos hidrofóbicos

    Novamente, note que a porção inferior da proteína, que está inserida na membrana, é bastante hidrofóbica, mais que a parte mais proximal à face extracelular. Utilize a opção de aumento no painel de controle para visualizar o interior do poro em detalhes. Você irá observar que o interior deste por é muito mais largo e menos hidrofóbico que aquele da aquaporina. Perceba também a existência de um anel hidrofóbico no interior do canal.
 

 ver anel hidrofóbico (Leucina 88, Isoleucina105 e Isoleucina 89)


 veja o anel hidrofóbico de dentro do canal

    Como a proteína é composta por 8 unidades idênticas, o anel é formado pelos aminoácidos isoleucina 89 e 105 e leucina 105 de cada subunidade.



Aquaporinas

    Uma outra proteína funcionalmente similar às porinas bacterianas são as aquaporinas, sendo que estas são encontradas em células eucariotas, como em humano, por exemplo. A função destas porinas é ligeiramente diferente das porinas bacterianas. As aquaporinas, como o nome sugere, têm a função de permitir a passagem de moléculas de água pela membrana, sem permitir a entrada de solutos.
    Como se pode imaginar, tais proteínas são de imensa importância para a manutenção do equilíbrio hídrico de certas células. Por exemplo, a pele de anfíbios como sapo são bastante permeáveis à água, graças à presença de aquaporinas. Tais proteínas são encontradas de bactéria a humanos.

    As aquaporinas são divididas em:

  • grupo I, AQP0-AQP2, AQP4-AQP6 e AQP8 permeáveis à água somente e
  • grupo II, AQP3, AQP7 e AQP9 permáveis a glicerol e uréia, além de água.

  •    É interessante notar que as aquaporinas não são permeáveis a outros íons, apresentando um mecanismo de seleção fantástico.

        Vamos estudar um modelo atômico de uma aquaporina de boi.
     

     visualizar modelo da aquaporina 1 de Bos taurus 

        Os átomos da AQP1 estão representados pelos seus raios de Van der Waals, dando uma idéia do volume real ocupado por eles.  Observe a existência de 4 poros dispostos simetricamente.
     

     delimitar poros (face citplasmática em laranja, face extracelular em amarelo)

        Na realidade, a AQP1 também é uma proteína formada por várias subunidades idênticas, cada uma constituindo um poro (similarmente à porina de R. capsulata).
     

     colorir os monômeros da AQP1

        Como você pode observar, os 4 monômeros são idênticos, cada um formando um poro distinto.
     

     visualizar molécula de água no poro (dentro do monômero azul)

        A esfera vermelha dentro do poro é o átomo de oxigênio de uma molécula de água que se encontra no interior deste.

        Similarmente à porina de R. capsulata,  a aquaporina é notavelmente hidrofóbica, possibilitando sua inserção na membrana lipídica.
     

     selecionar aminoácidos hidrofóbicos

        Perceba a faixa hidrofóbica que circunda a aquaporina. Esta é a regiào de contato com a membrana. Note que as faces expostas à água (extra e intracelular) são compostas por uma menor quantidade de aminácidos apolares.

        Como visto na porina de R. capsulata, é comum observar moléculas de detergente que foram utilizadas na cristalização.
     

     visualizar moléculas de B-nonilglicosídio

        Novamente, verifique que tais moléculas encontram-se ligadas à face hidrofóbica da proteína.


    Estruturas secundárias da AQP1
     

        Vamos agora estudar a estrutura secundária da aquaporina 1.
     

     mostrar esqueleto peptídico 

        Observa-se que a AQP1 é formada basicamente por alfa-hélices, diferentemente das duas proteínas estudadas até agora (folhas-beta). Isso significa que uma mesma função pode ser realizada por diferentes estruturas proteicas.


    Estrutura do poro da AQP1 e o mecanismo de passagem da água
     

        Vamos agora estudar um monômero em separado.
     

     carregar um monômero

        Gire a proteína e localize as moléculas de água (em vermelho).
        Vamos estudar o poro por onde passa a água com mais detalhes. Para isso, vamos "abrir " a proteína para facilitar a visão do poro.

     

     "abrir" o monômero

        Quatro moléculas de água (representadas apenas por seus átomos de oxigênio) se encontram no canal.
        Note que o interior do canal (parede ao redor das moléculas de água) é bastante hidrofóbico.
     

     colorir aminoácidos hidrofóbicos

        Com exceção de uma fileira de aminoácidos no interior do canal (aminoácidos na hélice em roxo), o resto é todo hidrofóbico.
        Os poucos aminoácidos polares permitem a passagem da água (através do estabelecimento de pontes de hidrogênio durante a passagem) nesse meio tão hidrofóbico. Em contrapartida, a alta hidrofobicidade do canal impede que a água interaja (muito) com as paredes, o que tornaria a passagem da molécula demasiadamente lenta.


    Mecanismo de seletividade do canal

        Veja também que o diâmetro do canal diminui das extremidades para o centro, como um funil.

    grafico

    Gráfico 1 - Variação do diâmetro do canal de passagem de água.
     

        O diâmetro do poro é drasticamente reduzido na entrada do canal, impondo um limite físico ao tamanho das moléculas que podem passar.

        No entanto, uma molécula de água não se encontra totalmente isolada, lembre-se que ela faz pontes de hidrogênio com outras moléculas de água. Para passar pelo poro é necessário que essas outras moléculas de água sejam removidas.
        O que ocorre na aquaporina é que aminoácidos polares dentro do poro interagem com essas moléculas, "arrancando-as" da molécula de água que irá passar pelo canal.

        Os aminoácidos responsáveis por esta retirada de moléculas de água ligadas à molécula em passagem na região de constrição logo na entrada do canal, são a histidina 182 e a arginina 197.
     

     colorir histidina 182 e arginina 197

        Outros aminoácidos (glicina 190, cisteína 191 e glicina 192) também participam da formação do anel que retira moléculas de água.
        Note o anel formado em volta da molécula de água mais próxima da face extracelular.
     

     mostrar outros aminoácidos

        Vamos "apagar" o resto da proteína para visualizar melhor o anel hidrofílico.


     ver anel hidrofílico

        Rotacione a molécula para verificar como o anel constitui a seletiva abertura do canal.

        Assim, o anel hidrofílico que arranca moléculas de água ligadas à molécula em passagem e a variação do diâmetro do poro são responsáveis pela seleção de moléculas que podem passar, permitindo uma passagem eficaz através da membrana.

        E por que outros íons não passam pelo canal?
        Íons positivos sofrem repulsão de aminoácidos positivos dentro do canal, como a arginina 197 e outros dipostos nas vizinhaças do anel.
        Da mesma forma, íons negativos sofrem repulsão de aminoácidos negativos.