Introdução

     Muitas proteínas atuam como enzimas, ou seja, como catalisadores biológicos de reações químicas específicas. As proteases são enzimas que catalisam a hidrólise (quebra de ligação covalente com participação de uma molécula de água) das ligações peptídicas de outras proteínas, clivando-as em fragmentos de aminoácidos menores.
    Essas enzimas atuam em diversos processos fisiológicos e celulares. Por exemplo, quando comemos carne, as proteínas que a compõem são clivadas para que os aminoácidos sejam absorvidos por proteases específicas.
    Neste capítulo, vamos examinar em detalhes a estrutura de uma protease para entender como a posição de aminoácidos específicos é essencial para promover a catálise da quebra de uma ligação peptídica.



Protease de HIV-1 retropepsina

    Dos inumeráveis papéis fisiológicos/celulares de proteases, um importante papel é na maturação de outras proteínas. Muitos vírus, ao invés de expressarem suas proteínas separadamente,  expressam uma cadeia polipeptídica única composta de diversas proteínas diferentes unidas. Depois, uma protease também expressa pelo vírus cliva a cadeia única em pontos específicos, liberando as diversas proteínas.


 ver animação da função das proteases virais

    Este é o caso da protease de HIV-1. Como esta enzima é fundamental para que o vírus se replique, a inibição dela poderia ser útil no controle da doença. Atualmente são conhecidas diferentes moléculas capazes de inibir esta protease, como as drogas adenovir e saquinavir.
    Vamos estudar a estrutura da retropepsina de HIV-1 e entender como ela executa sua atividade proteolítica e como se dá a inibição da atividade de protease.


 carregar modelo atômico

    A retropepsina de HIV-1 funcional é um homodímero.
 

 colorir monômeros separadamente

    Gire a molécula para verificar a simetria da estrutura formada.
    Vamos visualizar somente o esqueleto carbônico para verificar mais facilmente a simetria do dímero.
 

 ver esqueleto carbônico

    Repare também como as pontes de hidrogênio entre os aminoácidos da proteína contribuem enormemente para manutenção da estrutura.
 

 ver pontes de hidrogênio (em amarelo)



O sítio catalítico
 

    Vamos visualizar novamente a proteína com os raios atômicos.
 

 ver raios atômicos

    Rotacione o modelo da retropepsina em estudo e verifique a existência de uma cavidade vazia na proteína.
 

 selecionar aminoácidos para indicar localização da abertura (em vermelho)

    Este espaço vazio é ocupado pelo substrato (proteína a ser clivada) da retropepsina de HIV-1. Dentro da cavidade, localizam-se 3 aminoácidos de cada monômero que são responsáveis pela clivagem do substrato. O sítio catalítico é então uma região da proteína que forma um compartimento onde a catálise de uma certa reação química é mais favorável. No caso das proteases, esta reação é a hidrólise da ligação peptídica.
 

 mostrar aminoácidos catalíticos da retropepsina (nos dois monômeros em verde)

    Gire a molécula para ver uma região colorida em verde, dentro da cavidade que abriga o substrato.
    Para visualizar melhor o sítio catalítico, vamos apagar uma das cadeias.
 

 apagar cadeia B (visualizar apenas esqueleto peptídico)

    Os aminoácidos coloridos em verde são aqueles diretamente responsáveis pela catálise da hidrólise (Asp25, Thr26 e Gly27). Apesar da catálise requerer que toda a proteína esteja intacta, sabe-se que certas mutações na estrutura não causam um grande impacto no funcionamento da protease. Entretanto, mutações em um dos 3 aminoácidos Asp25, Thr26 e Gly27 causam. Por isso estes são considerados os aminoácidos associados diretamente à catálise.
    Veja que na cadeia B, representada apenas pelo esqueleto peptídico, também há aminoácidos coloridos em verde, já que a proteína é dimérica.
    Assim, o sítio catalítico desta protease só existe quando a proteína está em forma dimérica.



Flap

    Vamos ver a cavidade que abriga o substrato de outra forma.
 

 preencher cadeia B

    Para ver diretamente os aminoácidos catalíticos, vamos "remover" os aminoácidos que fecham o sítio catalítico. Na verdade, é justamente isso que ocorre, há uma aba ("flap") que forma uma tampa da cavidade onde o substrato se localiza, sendo que ela pode se abrir e fechar, permitindo a entrada de novos substratos e mantendo-os dentro do sítio ativo para faciliar a catálise da hidrólise da ligação peptídica.
 

 ver "flap" como esqueleto de aminoácidos

    Agora é possível observar diretamente o sítio catalítico, através do "flap".
    Gire a molécula e perceba que o "flap" forma uma aba que simplesmente se estende por sobre o sítio ativo.
 

 remover flap

 

 recolocar flap

    Rotacionando a molécula, pode-se perceber que o sítio catalítico encontra-se enterrado no meio da proteína.



A catálise

    Tendo analisado a localização do sítio catalítco desta enzima, vamos estudar como a posição de aminoácidos específicos está relacionada à catálise enzimática.
    Dos 6 aminoácidos (3 de cada monômero) que constituem o sítio ativo desta protease, os aspartatos são aqueles que de fato catalisam a reação. O aspartato é um aminoácido que possui como cadeia lateral, um grupo carboxílico.
 

 ver Asp25 das duas cadeias

    Embora não se conheça o mecanismo de ação exato da reação de catálise desta protease em particular, vamos utilizar mecanismos conhecidos de proteases para inferir como a catálise pela protease de HIV-1 se dá.
    Os mecanismos de hidrólise empregados por proteases em geral envolvem a participação de uma hidroxila da cadeia lateral de algum aminoácido do sítio catalítico, como por exemplo, a hidroxila do grupo carboxílico da cadeia lateral de Asp25. Veja abaixo a estrutura plana deste aminoácido e a hidroxila referida.

asp A cadeia lateral do aspartato está apresentada em verde.
Os oxigênios das hidroxilas do grupo carboxílico da cadeia lateral estão coloridos em vermelho.


    Agora veja átomo de oxigênio da hidroxila (cadeia lateral) do Asp25 no modelo tridimensional.
 

 ver oxigênio da hidroxila da cadeia lateral do Asp25 em vermelho




Inibidor saquinavir

    Uma vez que a exposição dos aspartatos à cavidade onde o substrato se liga é essencial ao funcionamento da enzima, uma molécula que ocupe o sítio catalítico irá impedir o bom funcionamento da enzima.
    Uma molécula que liga-se ao sítio ativo, inibindo a enzima é o inibidor de protease saquinavir, uma droga anti-HIV.
 

 mostrar inibidor saquinavir no sítio ativo da protease

    Perceba que o inibidor ocupa exatamente a cavidade que constitui o sítio ativo e está em contato com os Asp25.
    Veja agora a proteína representada com os raios atômicos e o inibidor na cavidade.


  ver a proteína com o inibidor saquinavir

    Repare que o inibidor é também simétrico em relação ao sítio catalítico.
    O inibidor é formado por uma asparagina padrão, uma fenilalanina modificada (hidroxi fenilalanina) e por outros grupos, mimetizando em parte um peptídeo.