Porfirinas Cluster como Modelos de Citocromo P-450
Tendo em vista o exposto acima, torna-se evidente que uma supermolécula como o Mn(TCP) apresenta grande potencialidade como modelo de citocromo P-450, pois o caráter receptor dos clusters de rutênio pode ser modulado simplesmente alterando-se o seu estado de oxidação. Assim, a oxidação dos complexos de rutênio periféricos, do estado (III,III,III) para o estado (III,III,IV), aumenta o caráter receptor de elétrons dos mesmos. Esse efeito torna-se ainda mais pronunciado caso o cluster seja oxidado ao estado (III,IV,IV). Nesse caso, espera-se uma diminuição acentuada da densidade eletrônica do anel porfirínico e conseqüentemente do íon metálico coordenado ao mesmo. Além disso, o potencial de oxidação do anel porfirínico deve-se deslocar para regiões cada vez mais positivas, tornando-o muito mais resistente a ataques de agentes oxidantes. De fato, os estudos de voltametria cíclica e espectroeletroquímica do Mn(TCP) não indicaram nenhuma evidência dessa reação até +1,5 V. O estudo comparativo da Mn(TCP) e Mn(4-TPyP) para a reação de epoxidação do cicloocteno pelo iodosilbenzeno, em acetonitrila, não revelou nenhuma diferença significativa entre a atividade catalítica dos mesmos. Contudo, cicloexano foi oxidado seletiva e eficientemente a cicloexanol (45%) na presença de Mn(TCP), enquanto uma mistura (27% cicloexanol e 13% cicloexanona) foi obtida na presença de Mn(4-TPyP).
Supõe-se que o oxo complexo de alta valência, O=MnV(P), seja a espécie ativa responsável por essa reação catalítica. Porém, é muito difícil detectá-la, devido à sua elevada reatividade e, conseqüentemente, curto tempo de vida. Recentemente, contudo, Groves et alli verificaram a formação da espécie O=MnV(T-4-MPyP) 30 ms após a mistura de Mn(T-4-MPyP) com ácido peroxiclorobenzóico, em meio aquoso. Essa espécie decai lentamente (k=5,7 s-1) levando à formação da espécie menos reativa O=MnIV(T-4-MPyP). Por isso, tentou-se detectar a espécie O=MnV(TCP) misturando-se Mn(TCP) e uma suspensão de iodosilbenzeno em dicloroetano, numa cela de fluxo, e registrando-se espectros uv-vis sucessivos na faixa de 0,4 a 120 s. Foi observado o rápido deslocamento da banda V de 473 para 427 nm, consistente com a formação de O=MnIV(TCP). Por outro lado, na presença do substrato cicloexano, nenhuma alteração foi observada nos espectros sucessivos da mistura reacional contendo Mn(TCP). Porém, quando este catalisador supramolecular foi substituído por Mn(4-TPyP), nas mesmas condições experimentais, notou-se a formação de O=MnIV(4-TPyP). Esses resultados foram explicados considerando-se que Mn(TCP) é um catalisador muito mais eficiente, e que a espécie ativa de alta valência reage muito rapidamente com o substrato cicloexano regenerando o complexo de partida. Por isso, o oxo complexo de alta valência não se acumula no meio, não podendo ser detectado na presença do substrato. Na ausência do mesmo, contudo, a espécie ativa deve decair rapidamente para a forma mais estável O=MnIV(TCP), não podendo ser detectado na escala de tempo utilizado nos experimentos. Além disso, o pequeno aumento de absorbância observado em torno de 850 nm foi explicado com sendo um indicativo de que o potencial do O=MnIV(P) é apenas um pouco maior que da espécie Ru(III,III,IV). Logo, todos os clusters de rutênio periféricos devem estar pelo menos no estado (III,III,IV), na espécie ativa O=MnV(TCP), estabilizando o anel porfirínico e aumentando a reatividade daquele oxo complexo de alta valência.
Logo, quando esse complexo é utilizado como catalisador de uma reação redox, o estado de oxidação dos complexos periféricos das porfirinas clusters se ajusta espontaneamente às condições do meio, melhorando a atividade catalítica do sítio ativo (efeito eletrônico e sinergístico). Além disso, os clusters periféricos podem atuar como cofatores armazenando quatro ou mais equivalentes de oxidação ou redução, facilitando a ocorrência de reações multieletrônicas. Tais características são específicas das porfirinas polinucleares, evidenciando as vantagens dos materiais inorgânicos supramoleculares como catalisadores redox multieletrônicos.