Porfirinas Cluster como Modelos de Citocromo P-450


Manganês e ferro porfirinas têm sido largamente exploradas como modelos biomiméticos do citocromo P-450, pois são capazes de promover a reação de oxidação de substratos orgânicos por agentes oxidantes doadores de átomos de oxigênio. Porfirinas simples como Mn(TPP) também tem sido empregadas, mas são relativamente susceptíveis às reações de oxidação, sendo rapidamente decompostas no meio reacional. Assim, grupos receptores de elétrons, como os halogênios, foram introduzidos nos anéis pirrólicos e nos grupos fenilas da Mn(TPP) e Fe(TPP), com o intuito de se aumentar a resistência à oxidação bem como a atividade catalítica. De fato, essas manganês porfirinas substituídas tendem a ser catalisadores mais eficientes e estáveis em reações de epoxidação e hidroxilação de substratos orgânicos.

 Tendo em vista o exposto acima, torna-se evidente que uma supermolécula como o Mn(TCP) apresenta grande potencialidade como modelo de citocromo P-450, pois o caráter receptor dos clusters de rutênio pode ser modulado simplesmente alterando-se o seu estado de oxidação. Assim, a oxidação dos complexos de rutênio periféricos, do estado (III,III,III) para o estado (III,III,IV), aumenta o caráter receptor de elétrons dos mesmos. Esse efeito torna-se ainda mais pronunciado caso o cluster seja oxidado ao estado (III,IV,IV). Nesse caso, espera-se uma diminuição acentuada da densidade eletrônica do anel porfirínico e conseqüentemente do íon metálico coordenado ao mesmo. Além disso, o potencial de oxidação do anel porfirínico deve-se deslocar para regiões cada vez mais positivas, tornando-o muito mais resistente a ataques de agentes oxidantes. De fato, os estudos de voltametria cíclica e espectroeletroquímica do Mn(TCP) não indicaram nenhuma evidência dessa reação até +1,5 V. O estudo comparativo da Mn(TCP) e Mn(4-TPyP) para a reação de epoxidação do cicloocteno pelo iodosilbenzeno, em acetonitrila, não revelou nenhuma diferença significativa entre a atividade catalítica dos mesmos. Contudo, cicloexano foi oxidado seletiva e eficientemente a cicloexanol (45%) na presença de Mn(TCP), enquanto uma mistura (27% cicloexanol e 13% cicloexanona) foi obtida na presença de Mn(4-TPyP).

Supõe-se que o oxo complexo de alta valência, O=MnV(P), seja a espécie ativa responsável por essa reação catalítica. Porém, é muito difícil detectá-la, devido à sua elevada reatividade e, conseqüentemente, curto tempo de vida. Recentemente, contudo, Groves et alli verificaram a formação da espécie O=MnV(T-4-MPyP) 30 ms após a mistura de Mn(T-4-MPyP) com ácido peroxiclorobenzóico, em meio aquoso. Essa espécie decai lentamente (k=5,7 s-1) levando à formação da espécie menos reativa O=MnIV(T-4-MPyP). Por isso, tentou-se detectar a espécie O=MnV(TCP) misturando-se Mn(TCP) e uma suspensão de iodosilbenzeno em dicloroetano, numa cela de fluxo, e registrando-se espectros uv-vis sucessivos na faixa de 0,4 a 120 s. Foi observado o rápido deslocamento da banda V de 473 para 427 nm, consistente com a formação de O=MnIV(TCP). Por outro lado, na presença do substrato cicloexano, nenhuma alteração foi observada nos espectros sucessivos da mistura reacional contendo Mn(TCP). Porém, quando este catalisador supramolecular foi substituído por Mn(4-TPyP), nas mesmas condições experimentais, notou-se a formação de O=MnIV(4-TPyP). Esses resultados foram explicados considerando-se que Mn(TCP) é um catalisador muito mais eficiente, e que a espécie ativa de alta valência reage muito rapidamente com o substrato cicloexano regenerando o complexo de partida. Por isso, o oxo complexo de alta valência não se acumula no meio, não podendo ser detectado na presença do substrato. Na ausência do mesmo, contudo, a espécie ativa deve decair rapidamente para a forma mais estável O=MnIV(TCP), não podendo ser detectado na escala de tempo utilizado nos experimentos. Além disso, o pequeno aumento de absorbância observado em torno de 850 nm foi explicado com sendo um indicativo de que o potencial do O=MnIV(P) é apenas um pouco maior que da espécie Ru(III,III,IV).  Logo, todos os clusters de rutênio periféricos devem estar pelo menos no estado (III,III,IV), na espécie ativa O=MnV(TCP), estabilizando o anel porfirínico e aumentando a reatividade daquele oxo complexo de alta valência.

Logo, quando esse complexo é utilizado como catalisador de uma reação redox, o estado de oxidação dos complexos periféricos das porfirinas clusters se ajusta espontaneamente às condições do meio, melhorando a atividade catalítica do sítio ativo (efeito eletrônico e sinergístico). Além disso, os clusters periféricos podem atuar como cofatores armazenando quatro ou mais equivalentes de oxidação ou redução, facilitando a ocorrência de reações multieletrônicas. Tais características são específicas das porfirinas polinucleares, evidenciando as vantagens dos materiais inorgânicos supramoleculares como catalisadores redox multieletrônicos.