Cristianismo e controle de natalidade são compatíveis?

Para ensaiar uma resposta a essa importante questão, vamos nos colocar na posição dos próprios cristãos, isto é, tomando por verdade os ensinamentos da sua religião e procurando um espaço analítico dentro desses ensinamentos.

O cristão fundamentalista, aquele que toma os seus textos sagrados ao pé da letra, terá pronta a resposta negativa, encerrando a discussão. Outros, porém já terão percebido, diante das evidências evolucionárias, a necessidade de o cristão aceitar as provas irrefutáveis da Ciência e passar a interpretar a história da criação contada pela Bíblia como sendo uma alegoria. Certamente os teólogos terão diante de si problemas difíceis ao procurarem conciliar com o evolucionismo todas asafirmações atribuídas ao seu Deus, porém transcritas pelos homens.

É tal a natureza da inteligência humana que se torna necessário, freqüentemente, discutir o óbvio. No caso: que nem o mais fundamentalista do criacionistas pode negar que uma revelação divina, feita aos homens, obrigatoriamente tinha que ocorrer num linguajar compreensível para o estágio do conhecimento humano naquele momento. Se Deus quisesse a cinco mil, sete mil ou quantos mil anos que sejam, ter contado aos seus adoradores uma visão evolucionista da criação teria causado muita confusão na cabeça de suas criaturas. É necessário, portanto, é útil e pode ser feita, uma tentativa de, abandonando a interpretação ingênua e fundamentalista do texto bíblico, conciliar os conhecimentos científicos com a "verdade" religiosa.

Ao cristão é que antes de tudo interessa o bom sucesso dessa reinterpretação. O ser humano visto como parte integrante da natureza e, daí, num enfoque genético, suscita, imediatamente, algumas reflexões importantes.

Em primeiro lugar, e sobretudo, chama-mos a atenção que o ser humano difere da maioria dos animais pelo fato da sua permanente disponibilidade sexual. Ao exame superficial essa prontidão para o sexo, mesmo em condições desfavoráveis à fecundação, é a base apenas de problemas morais e éticos. E nesse sentido, retém algo de incompreensível. Levando-se em consideração, porém, que o sexo "permanente" funciona, e funcionou no passado, como um fator que promove a estabilidade da ligação entre o homem e a mulher, dessa maneira aumentando as possibilidades do filhote-filho sobreviver, imediatamente concluímos que o desejo sexual não restringido pelo tempo contribui "para o sucesso reprodutório do ser humano, ao "ide e multiplicai-vos". Em outras palavras, o sexo não é apenas um recurso de reprodução, mas é um fator de estabilidade familial e, por que não dizer dentro do raciocínio proposto, com as premissas cristãs inicialmente aceitas, uma dádiva de Deus para fortalecer esse núcleo elementar da sociedade humana que é a família.

A visão cristã de Deus é a de "Pai" bondoso e zeloso a quem, podemos dizer, não agrada o sofrimento em nenhuma forma, em particular não na forma de padecimento de crianças esfomeadas em famílias de reprodução incontrolada. Se o sexo de um lado é um fator de estabilidade, por outro lado, a sua restrição à reprodução leva a famílias numerosas, famílias com grande número de rebentos e uma baixa qualidade de vida.

Trata-se de duas considerações que nos permitem desvincular o sexo da obrigação reprodutiva. E a partir desse ponto, fica fácil admitir que o sexo sem a finalidade de reprodução é do ponto de vista moral da ótica cristão é completamente aceitável.

Torna-se, nesse enfoque, inoportuna restringir o controle de natalidade aos procedimentos de prevenção baseados na abstinência. A abstinência pode contribui para a solução do segundo problema, o problema da reprodução excessiva, porém, ao mesmo tempo, perde o sexo o seu papel de reforçador da união entre o homem e a mulher. A abstinência iria, então, contra os desígnios do Criador. Se a inteligência do ser humano é divina em sua origem, o controle da natalidade em face dos argumentos baseados no conhecimento pode, em nossa opinião, ser aceito sem maiores tergiversações e o moralismo antiquado, em grande parte de cunho opressivo à mulher, deve ser rejeitada.

O controle de natalidade, porém, baseado em todas as conquistas da ciência moderna, deve respeitar a vida; por isso a nossa hipótese exclui considerações acerca do aborto, identificável, e identificado pelo cristão, com o assassinato.