Atualizado em 24/01/2025 por Comunicação IQUSP
[Imagem: Aldrey Olegario / Comunicação IQUSP]
Heinrich Rheinboldt e Heinrich Hauptmann foram os pesquisadores que deram nome à premiação oferecida pelo IQUSP anualmente desde 1987. Foram responsáveis por criar, na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o Departamento de Química. Rheinboldt, como descreve o historiador Shozo Motoyama em entrevista à Fapesp, foi o responsável por trazer aquele que acabaria se tornando um dos diferenciais do Instituto: o campo da bioquímica. Hauptmann, por sua vez, teve papel notório no desenvolvimento do setor de físico-química e também da bioquímica.
O Prêmio Rheinboldt-Hauptmann do IQUSP foi criado como uma forma de reconhecer as contribuições de importantes nomes da Química, Bioquímica e áreas correlatas, como é descrito no Diário Oficial do Estado de São Paulo. Helena Bonciani Nader — biomédica, docente titular do Departamento de Bioquímica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC) — recebeu em 2022 a honraria por suas contribuições no âmbito científico. A pesquisadora foi a 34ª homenageada pelo prêmio.
[Imagem: Reprodução/ Acervo do Diário Oficial do Estado de São Paulo]
Cerimônia de premiação
Foi no anfiteatro Paschoal Senise que se deu a cerimônia de entrega da homenagem a Helena Nader. O evento foi mediado por Mônica Pacheco, analista administrativa do Instituto. O primeiro pronunciamento foi do diretor do IQ, o Prof. Dr. Pedro Vitoriano de Oliveira, que relembrou a história do prêmio e a importância da homenagem para os pesquisadores e para o IQ.
Juntaram-se à mesa central para o momento de homenagem o vice-diretor do IQ, Prof. Dr. Shaker Chuck Farah, e os Profs. Drs. Paulo Nussenzveig, Pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP, e Walter Colli, Professor Emérito da USP. Durante os discursos que repassaram a história da pesquisadora, os presentes falaram sobre os feitos e conquistas de Helena no campo científico e também sobre a amizade que fora construída durante o tempo em que trabalharam juntos.
A homenagem de 2022 marcou o retorno da entrega do Prêmio, que havia sido interrompida devido à pandemia. Helena Nader, assim como destacou em seu discurso, dá sua contribuição para a presença das mulheres nesse espaço. Ao todo, agora são cinco os nomes femininos homenageados: as Profªs. Drªs. Blanca Wladislaw, Shirley Schreier, Ohara Augusto, Yvonne Primerano Mascarenhas e Helena Nader.
Walter Colli e Paulo Nussenzveig memoraram as contribuições da pesquisadora para a ciência brasileira. O reflexo de sua dedicação se deu na longa listagem dos prêmios conquistados por Helena, como a Ordem Nacional do Mérito Científico, a Medalha Mérito Tamandaré da Marinha do Brasil e o Prêmio Scopus, entre outros. Também recordou-se a importância da pesquisadora na política pela defesa da ciência.
Durante as falas repletas de sentimentos, a professora compartilha a emoção de vivenciar os momentos da cerimônia junto aos seus colegas. “Vários desses ícones estavam ali para me ver. Aquilo foi marcante para mim, mostrou que: ‘puxa, eles acham realmente que eu mereço estar aqui’. O Colli, Hugo, Hernan… todo mundo estava ali. Isso demonstrou que não foi um formalismo. Eu me senti muito honrada e prestigiada. Eu só posso agradecer”, diz Helena.
Vida dedicada à ciência e à educação
O direito e a defesa da educação são pilares marcantes na trajetória de Helena. Dos inúmeros convites para seguir carreira no exterior, a escolha de ficar é exemplo das expectativas acerca dos possíveis caminhos para a educação e ciência no país. “Eu estou aqui e eu acredito que a educação e ciências são as únicas formas de transformar o Brasil. Se o estado brasileiro não olhar isso como uma verdade absoluta — de que precisa da educação e da ciência, que são transversais a todas as outras áreas — a gente vai continuar patinando”, afirma a biomédica.
Em 2022, Helena Nader foi a primeira mulher a assumir a presidência da Academia Brasileira de Ciências, entidade com mais de 100 anos de história. A respeito da forma como a questão de gênero foi percebida em sua carreira, ela aponta para um caminho onde mudanças estão sendo construídas. “Quando eu entrei na Escola Paulista de Medicina, a maioria [dos docentes] eram homens. Hoje são mulheres, o que mostra que a questão de gênero também é uma questão temporal. Ela vem sendo mudada ao longo do tempo, em algumas áreas mais facilmente do que em outras”, comenta. Apesar disso, ela indica que ainda há muito a ser feito para alcançar a equidade de gênero na graduação, pós-graduação e nas etapas seguintes da formação acadêmica. “Tenho idade suficiente para ter visto essa mudança, o que me deixa muito feliz. Ela é suficiente? Não, está aquém. A gente teve retrocesso? Tivemos, o que mostra que é uma pauta que a gente vai ter que insistir. Isso leva tempo. Educação leva tempo. É uma pauta de costumes que se mostra desde a infância” finaliza.
Para se entender as raízes desse cenário, Helena indica que é preciso olhar além do que é apresentado no espaço universitário. “A culpa é da universidade, é da academia? Eu acho que a culpa é da sociedade, eu vejo dessa forma. Enquanto mãe e pai referendarem o comportamento da sociedade brasileira, em especial nos últimos anos, a sociedade vai andar para trás. ‘Menina tem que cuidar do marido’, pelo amor de Deus, onde que está escrito isso?”, comenta.
Além da equidade de gênero na educação, outro ponto que Helena destaca é a necessidade de se olhar também para a equidade racial. “A equidade racial é uma que o Brasil tem que abraçar fortemente. Eu tenho muito orgulho que fui Pró-reitora de Graduação de uma universidade [que criou] — o que eles chamam de cota, eu não gosto — ações afirmativas muito antes de se ter um programa [para isto]”, diz ela. Em 2004, a Unifesp e UnB (Universidade de Brasília) foram as primeiras federais a introduzirem, no processo seletivo, ações afirmativas voltadas para estudantes negros, indígenas e oriundos de escolas públicas.
Pioneirismo: complexidades da heparina e do heparam sulfato
A linha de pesquisa na qual a biomédica atua em seu laboratório na Unifesp tem foco na função dos proteoglicanos heparina e heparam sulfato na hemostasia, controle da divisão celular e transformação celular — temas tratado por Helena na conferência da premiação. Tanto a heparina quanto o heparam sulfato são conhecidos por sua ação anticoagulante.
Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a doença Covid-19 como uma ESPII (Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional) — sexto anúncio do tipo desde a pandemia de H1N1, em 2009. Deste período em diante, a Ciência se desdobraria em esforços para compreender seu vírus causador: o SARS-CoV-2. Um dos caminhos encontrados para o tratamento da Covid-19 foi através do uso da heparina e do heparam sulfato — descritos de forma pioneira no mundo pelo laboratório coordenado por Helena Nader. A pesquisa foi realizada pelo Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular da Unifesp, com colaboração de cientistas internacionais, e teve sua publicação no repositório BioRxiv, do Laboratório Cold Spring Harbor (EUA).
Usando dados já obtidos do SARS-CoV e frente ao novo desafio do SARS-CoV-2, Helena explica que “já se mostrava que esse vírus gostava de interagir com a heparina. Na superfície da célula, você tem o heparam sulfato, que é um 'primo' da heparina — ele lembra a estrutura, mas é diferente. O que nós vimos é que o heparam sulfato é um co-receptor para o vírus. Ou seja, o vírus liga nesse co-receptor, que induz uma mudança na estrutura da RBD [Receptor Binding Domain ou Domínio de Ligação ao Receptor] e daí caminha para a internalização". A região do Domínio de Ligação ao Receptor é onde anticorpos responsáveis por neutralizar vírus, bloqueando seus mecanismos de entrada nas células, estão localizados. “Quando se dá heparina [a um potencial paciente infectado], eu estou criando uma competição. Vamos pensar em uma célula em cultura, por exemplo: eu coloco heparina e tem heparam na superfície. Se tem heparina, eu desloco e compito; funciona como um antiviral e o vírus não entra, porque prefere se ligar à heparina”, completa a docente.
A utilização da heparina pelo grupo em testes laboratoriais, realizados em células de rim do Macaco-Verde africano, mostrou uma redução de 70% da taxa de invasão celular pelo SARS-CoV-2. Também é foco de contribuição dos pesquisadores a compreensão da estrutura molecular da heparina. “Mostramos que é na região da Spike chamada RBD que o heparan e a heparina ligam — e onde se induz a mudança de conformação que favorece toda a internalização. E nós vimos o que é importante da molécula da heparina para essa interação”, indica a biomédica. Nader explica que a tecnologia utilizada nessa análise é a STD de ressonância para heparina sozinha e com o ligante RBD.
Por Aldrey Olegario | Comunicação IQUSP