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O campo investigativo dos processos redox começou a amadurecer no fim dos anos 60, com a descoberta de que a enzima eritrocupreína tinha função específica de promover a dismutação do radical superóxido, o produto da redução unieletrônica do oxigênio molecular. Logo se reconheceu que uma família de intermediários relacionados, genericamente denominados espécie reativas do oxigênio (ROS, em inglês), era gerada in vivo e que algumas ROS eram capazes de exercer efeitos celulares potentes, devido a danos causados a lípides, proteínas e carboidratos. Foi, então, estabelecido o conceito de estresse oxidativo, como sendo o desequilíbrio entre pró-oxidantes e antioxidantes. No final dos anos 80, em particular nas áreas cardiovascular e imunológica, outro radical livre, o óxido nítrico (NO), foi identificado como principal mediador autócrino e parácrino capaz de induzir relaxamento vascular, regulação imunológica e diversos outros efeitos. Paralelamente, a identificação do óxido nítrico e a produção intracelular dependente do fator de crescimento do peróxido de hidrogênio levou ao conceito de sinalização mediada por processos redox, ou seja, a redes de transdução de sinais celulares, nas quais o elemento integrativo é uma serie de reações interconectadas de transferência de elétrons, envolvendo radicais livres ou espécies oxidantes não-radicalares. Assim, estes simples intermediários químicos são capazes de exercer efeitos intracelulares de segundo mensageiros, regulando a maior parte das funções celulares. Um grande volume de investigações explorou o potencial de intervenções que modulam estes processos, como uma ferramenta para entender a patofisiologia e, além disso, exercer efeitos terapêuticos contra inúmeros problemas clínicos. Tais estudos focalizaram uma grande variedade de condições patofisiológicas e doenças de diferentes naturezas, como aterosclerose, diabetes, diversas formas de câncer, doenças imunológicas, neurodegenerações e várias outras. Ao mesmo tempo, o entendimento de que processos redox não são eventos acidentais colocou um desafio significativo para o desenho de terapias antioxidantes. Dados os desafios associados às terapias centradas em processos redox, não causa surpresa que os resultados de experimentações clínicas com antioxidantes clássicos tenham, em geral, fornecido resultados erráticos ou negativos, com resultados positivos ainda vistos como esporádicas - embora encorajadoras - exceções. Esta disparidade se torna ainda mais pronunciada quando se contrasta tais resultados com a crescente massa de informações básicas sobre a fisiopatologia de mecanismos redox celulares e moleculares em várias doenças. Portanto, planejamos focalizar em estudos mecanísticos que permitam uma melhor compreensão de tais processos. Embora nossas estratégias possam ser aplicáveis a situações distintas, nossos esforços serão focalizados em modelos de doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, infecciosas/inflamatórias e neoplásicas, que são relevantes tanto por sua importância médica quanto por sua capacidade de fornecer informações originais sobre o mecanismo das doenças.

Um problema básico neste contexto é a dificuldade geral e a rara disponibilidade de índices adequados para avaliar quantitativamente o estado redox de sistema in vivo. Acreditamos que esta dificuldade advenha principalmente da falta de conhecimento mecanístico essencial suficiente sobre a relação estrutura-função das espécies oxidantes, sua reatividade em diversos ambientes, locação intracelular e redes em larga escala de proteínas modificadas por oxidação. Estas limitações podem resultar em interpretações de dados sem sentido, mesmo se, tecnicamente, forem obtidas medições sólidas. Além disso, refinar e aperfeiçoar abordagens técnicas sofisticadas, como técnicas associadas à espectrometria de massa, também é importante para apurar a sensibilidade e especificidade dos resultados. Portanto, o segundo objetivo principal do nosso projeto é o desenvolvimento de novos biomarcadores de processos redox em sistemas biológicos complexos.

As considerações acima compõem um quadro aparentemente paradoxal, no qual resolver as significativas deficiências na pesquisa redox translacional (da bancada para o leito hospitalar e de volta para a bancada) parece requerer a compreensão de aspectos químicos, bioquímicos e de mecanismos subcelulares ainda mais básicos. Reconhecer o momento adequado e a necessidade para tal pensamento interativo é essencial para fornecer abordagens inovadoras, em vez de simplesmente adotar estratégias análogas às que se provaram ineficazes no passado recente.

O estudo dos processos redox em Biomedicina possui excepcional capacidade para elucidar rotas bioquímicas que compõem mecanismos integrativos de sinalização celular e podem pavimentar o caminho para a identificação de significativos alvos terapêuticos para várias doenças. Uma área altamente multidisciplinar como esta tem, além disso, um potencial bastante atrativo para o desenvolvimento de abordagens científicas de vanguarda para investigação, tecnologia, inovação e educação em geral, de maneira particularmente relevante para a integração de cientistas brasileiros de diversas regiões do país. Neste contexto, avanços na investigação de processos redox podem desencadear o efeito multiplicativo estratégico de incrementar a pesquisa em demais áreas.