Artigo foi publicado no Journal of Biological Chemistry (JBC)
Por Maria Celia Wider
Em qualquer célula eucariótica, como as nossas, uma grande quantidade de energia é usada a todo momento para sintetizar ribossomos, as “fábricas de proteínas” da célula. São eles que traduzem o ácido ribonucleico mensageiro (mRNA) para produzir proteínas. O processo de montagem dos ribossomos é complexo, requer centenas de fatores de biogênese e é coordenado em várias etapas. Um participante crucial nessa montagem é o complexo do exossomo, a máquina molecular responsável pelo processamento e controle de qualidade de RNAs.
O exossomo é o foco central de pesquisa do grupo da cientista Carla Columbano de Oliveira, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP, que tem realizado estudos funcionais e estruturais do exossomo de leveduras e de archaea. Agora, em artigo publicado no Journal of Biological Chemistry (JBC), este grupo de pesquisadores mostrou como a proteína Nop53 regula a atividade do exossomo da levedura Saccharomyces cerevisiae, ao controlar o posicionamento do complexo durante a síntese do ribossomo. Também demostrou que o exossomo se liga a partículas pré-ribossomais no início da via de maturação do ribossomo. O artigo tem como primeiros autores os doutorandos Leidy Paola P. Cepeda e Felipe F.M. Bagatelli.
“Nossos resultados mostram que, na montagem do ribossomo, o exossomo é recrutado muito mais cedo para o pré-ribossomo do que se pensava anteriormente. Nossa hipótese é que ele se liga cedo para controlar a qualidade do RNA ribossômico (rRNA). O exossomo é importante tanto para o processamento quanto para o controle de qualidade dos RNAs. Se o processamento não acontecer, o exossomo degrada o rRNA, evitando que a célula tenha ribossomos não funcionais”, afirmou a pesquisadora.
A eliminação de RNAs defeituosos ou não mais necessários é uma etapa importante do metabolismo celular. Ribossomos não funcionais nas células causam doenças conhecidas como ribossomopatias, como a anemia de Diamond-Blackfan, a síndrome de Shwachman-Diamond e a síndrome de Treacher Collins, entre outras. São doenças raras, nas quais a biossíntese de ribossomos está comprometida por mutações em genes que codificam proteínas ribossomais, ou proteínas envolvidas na maturação de ribossomos.
Os ribossomos são complexos de rRNA e proteínas altamente conservados ao longo da evolução. Em eucariotos, são formados por duas subunidades: a menor 40S e a maior 60S. A síntese de ribossomos começa no nucléolo, um sub-compartimento nuclear. O rRNA é sintetizado como uma molécula só, o pré-RNA 35S, ao qual se ligam proteínas e fatores de processamento, formando o complexo 90S. Esse precursor sofre clivagens e modificações de nucleotídeos e é separado nas partículas pré-40S e pré-60S, que são processadas até que os rRNAs estejam maduros. Na medida em que são processados, os ribossomos se deslocam do nucléolo para o nucleoplasma e depois para o citoplasma, onde vão traduzir o mRNA. Durante a tradução as subunidades 40S e 60S se juntam ao redor de uma molécula de mRNA, formando um ribossomo completo.
Um dos fatores de processamento da partícula pré-60S é o complexo do exossomo, que é recrutado pelo cofator Nop53, uma proteína nucleolar essencial para a biogênese da subunidade 60S em leveduras. Em mamíferos, a proteína PICT1, ortóloga da Nop53, também está envolvida na síntese da subunidade maior dos ribossomos.
Segundo a pesquisadora, o grupo dela e outros já haviam demonstrado que a proteína Nop53 se liga numa das últimas etapas do processamento do pré-60S, quando é gerado o pré-rRNA 7S. O exossomo processa o 7S, degradando uma beirada desse pré-rRNA e liberando o rRNA 5.8S maduro, que vai formar a subunidade 60S.
Neste estudo, os pesquisadores investigaram as interações entre a Nop53 e o exossomo da S. cerevisiae usando uma abordagem proteômica e constataram que, na ausência da Nop53, o exossomo se liga ao complexo pre-ribossomal 90S, numa etapa anterior do processo de maturação do ribossomo. “Isso ninguém havia visto antes. A ausência da proteína Nop53 torna o processo lento, o que nos permitiu ver todos os intermediários”.
Além disso, na ausência da Nop53, eles viram que mesmo com o exossomo ligado, o pré-rRNA 7S não é processado, acumulando-se na célula, e, portanto, o RNA 5.8S não é formado. As interações identificadas pelos pesquisadores indicam que a Nop53 não apenas recruta o exossomo, como também posiciona o complexo.
Os pesquisadores purificaram os complexos por cromatografia de afinidade e investigaram quais proteínas estavam interagindo com o exossomo, tanto na presença quanto na ausência da Nop53. As proteínas foram identificadas por espectrometria de massas. Além disso, observaram a interação do exossomo com os rRNAs, confirmando os resultados.
Figura esquemática da partícula pré-60S à qual Nop53 se liga, recruta e posiciona o exossomo para o processamento do pré-rRNA. Imagem: L.P.P. Cepeda.
Exossomo
O exossomo é um complexo enzimático que foi primeiro identificado em S. cerevisiae e depois em vários outros organismos, de archaea a humanos. Em eucariotos, é encontrado no núcleo e no citoplasma e tem um papel central no metabolismo do RNA. Como o exossomo participa do processamento e da degradação de vários tipos de RNA, sua atividade é controlada por diferentes cofatores. “Quando começamos a estudar o exosomo, nossa primeira pergunta foi: por que o mesmo complexo, formado pelas mesmas proteínas, ora degrada o RNA completamente, ora degrada só até um ponto? Queríamos saber como a atividade do exossomo era regulada”, conta Carla. A pesquisadora e seu grupo já identificaram e caracterizaram várias proteínas envolvidas na regulação do exossomo, entre elas a Nop53, que foi descoberta ao mesmo tempo, de forma independente, também por outros dois grupos de pesquisa, um canadense e um escocês.
Em 2017, um artigo do grupo descrevendo como o exossomo é transportado para o núcleo celular foi destaque na edição especial “Focus on South America” do Journal of Biological Chemistry (JBC), em que foram selecionados trabalhos representativos dos avanços científicos da América do Sul nos últimos anos.
O artigo The ribosome assembly factor Nop53 controls association of the RNA exosome with pre-60S particles in yeast, de Leidy Paola P. Cepeda, Felipe F.M. Bagatelli, Renata M. Santos, Marlon D.M. Santos, Fabio C.S. Nogueira e Carla C. Oliveira, pode ser acessado em
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31662437